domingo, março 18, 2007

Cinema

Um dos passatempos favoritos de muita gente: ir ao cinema. Para mim, desde muito, é um “hobby”. Já ouve épocas que ia ao cinema três a quatro vezes na semana. Quando na Califórnia, cheguei a fazer um curso de roteirista. Hoje vejo menos filmes, mas muitas vezes, vejo-os no sofá. Com a facilidade da entrega do DVD em casa e o preço do ingresso, ir ao cinema fica menos freqüente. Enfim ....

Comentei sobre o filme “Pequena Miss Sunshine” em duas instâncias. Uma sobre o filme propriamente dito e outra para querer de alguma maneira demonstrar que tenho um bom olho para cinema. Acertei no avô: Oscar de melhor ator co-adjuvante. Acertei também na própria escolha do filme: Oscar de melhor roteiro. O Oscar de melhor documentário foi para um filme que comentei aqui, não sob a ótica do cinema, mas sobre o importante aspecto do respeito à natureza.

Quero escrever aqui sobre o filme Babel. Veja a foto abaixo. Tirei essa foto no dia 14/2/2007 na estação “Muzeum” em Praha. Incrível, sem dúvida. Naquele instante, lembrei que já tinha desejado escrever sobre o filme, que tinha visto há exatos dez dias.




O filme é um reflexo dos novos tempos. O tema básico poder ser explicado pelo que Albert-László Barabási descreveu em seu livro "Linked" . Até o momento, o livro não foi traduzido para o Português, mas espero que o seja. Esse livro procura mostrar, de forma acessível, que há ciência explicando o que vemos em Babel.

O que vemos em Babel? Vemos que os seres que habitam esse planeta estão mais próximos do que parece. O filme mostra isso de uma maneira dramática e de certa maneira poética.

Mundos diferentes: uma família californiana, um pai e filha japoneses, uma mexicana, uma família de camponeses no Marrocos. Com razão o filme, escrito por mexicanos, tem um viés, sutil, mas importante, para o olhar global a que se propõe.

O primeiro aspecto é a dependência da família californiana de uma pessoa, fora da família, para cuidar de seus filhos. Isso mostra o aspecto da mobilidade das famílias americanas e seu desapego das relações familiares (vejam que isso era tema de Miss Sushine, mas de outra maneira). Essa pessoa, de inteira confiança, já cuidava dos filhos da família desde de cedo. Essa pessoa, magistralmente interpretada por Adriana Barraza (Amélia), que também concorreu ao Oscar na categoria de atriz co-adjuvante, mostra a dependência de famílias classe média da Califórnia de trabalhadores imigrantes. Um filme dos anos 80, El Norte, foi o que primeiro, em minha opinião, retratou essa dependência.

Os imigrantes, na maioria das vezes, ilegais, são mão de obra fundamental para que os pais possam trabalhar, muitas vezes, mais de 50 horas por semana. É o primeiro elo. Essa visão é magistralmente exposta por Iñárritu e Arriaga , por suas vivências Californianas. Pessoas que teriam uma vida de pobreza no México vivem na Califórnia ou no Texas com melhor qualidade de vida. Embora em subempregos, os imigrantes ajudam seus parentes que ficaram. A personagem Amelia é um excelente exemplo.

O segundo elo é uma foto de um caçador, o japonês, e seu guia, um marroquino. O caçador, por alguma razão, dá seu rifle de presente ao guia. O guia vende o rifle para o pastor de ovelhas, que precisa do rifle para proteger suas ovelhas de predadores naturais. Com naturalidade, o rifle é repassado aos filhos que cuidam das ovelhas. O rifle irá atingir a esposa californiana. Em menos de 48 horas, o executivo japonês é contacto pela polícia japonesa. O número do rifle, capturado pela violenta polícia marroquina, é rastreado até o comprador. De maneira cortês a polícia japonesa procura informações. O foco do elo japonês é a solidão. A atriz Rinko Kikuchi (Chieko) faz uma das mais poéticas cenas do filme ao postar-se nua na varanda do luxuoso apartamento em que mora. Sua deficiência auditiva é demonstrada de maneira perfeita por cenas em uma discoteca, onde o diretor usa o artifício do som para nos levar a vivenciar a ausência de som. Fantástico.

Cabe aos mais fracos a maior dor. É evidente o poder destrutivo das armas. Pano de fundo do drama, a violência permeia a estória. É mais gráfica na polícia marroquina, sutil na repulsa a deficiência auditiva e truculenta na polícia de fronteira americana.

Várias culturas, diferentes valores. A sexualidade reprimida da cultura árabe, a descontração dos latinos, a protocolar relação familiar japonesa, a preocupação constante da América com a privacidade. Pequenos detalhes extraordinariamente explicitados no roteiro e encenados de maneira primorosa. Em particular, é impressionante o choque cultural como percebido pelos filhos dos americanos em contato com as crianças mexicanas parentes de Amélia. Importante também é o papel do governo americano na defesa de seus cidadãos, principalmente num contexto onde o terror é um inimigo constante.

O filme, além da magistral exposição das distâncias sócio-culturais é um show de Cinema. Uma estória contada em 4 países, com perfeita sintonia no ritmo e na continuidade, mesmo com a pequena pitada de Iñárritu com seu tempo anti-cronológico; no entanto muito mais sutil e palatável que em 21 gramas, onde ele explora de maneira magistral a temporalidade ou sua ausência. Os atores estão muito bem. Brad Pit é perfeito no papel do marido angustiado diante do acidente. A pequena surda é fantástica, isso sem falar no show de Adriana Barraza.

Estamos ligados, sempre estivemos, mas, hoje, cada vez mais, estamos mais próximos. A mobilidade provida pela tecnologia transporta-nos mais rápido assim como transporta nossas vozes, palavras e nossos movimentos.

Babel mostra isso: estamos mais próximos, mas as distâncias ainda são enormes.

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