sábado, agosto 07, 2010

Filmes

Tentando colocar em dia algumas pendências, sendo uma delas escrever sobre alguns filmes que vi nos últimos meses. Falta tempo para escrever como queria, mas pelo menos vou tentar.

Sem ordem cronológica, vou colocar aqui alguns dos filmes que vi recentemente, tanto no cinema, como na TV, como no DVD. Vou começar por um que vi duas vezes: “Up in the Air” (Amor sem Escalas). É um filme que retrata alguns aspectos comuns a pessoas que viajam com freqüência por negócios. É também um filme aonde o individualismo e a ideologia da mobilidade chegam a um extremo. Como só vi o filme é difícil saber se algumas das sacadas vieram do livro ou do roteiro.

O filme retrata com precisão a fidelidade que se aprende a adquirir aos programas de milhagens. O comportamento de Ryan (George Clooney) como passageiro freqüente é muito parecido com várias pessoas que conheço. Atingir 10 milhões de milhas é sua meta. Incrível como o filme consegue fazer disso um momento de glória. Ser o número 7 e ter uma linha especial só para ele, além de poder viajar para a vida toda é um reconhecimento do espírito de lealdade a uma marca. É incrível, porque esse sentimento é, na verdade, uma das forças que move programas de fidelização.

Além disso, o filme mosta de forma clara o sistema de emprego nos Estados Unidos, onde, para a grande maioria, inexiste o princípio da estabilidade, independente de quanto tempo você serviu a empresa. Uma pessoa trabalha vinte anos e leva três meses de salário sendo despedida por alguém que nunca viu na vida (esse é o papel do Ryan). Por isso, o personagem desenvolve uma filosofia onde procura desprender-se de tudo, para ser móvel, para ser ágil. Suas dicas de como fazer malas e como carregar só o indispensável refletem essa filosofia.

Outro ponto bastante interessante é a observação de como ferramentas de software podem afetar os negócios. É um exemplo de como a automação, baseada em software “colaborativo”, pode parecer eficaz e eficiente e que no fim das contas, deixa de ser. Deve ser visto por quem acredita que é possível fazer uma automação plena de processos administrativos. Em um ponto do filme a auxiliar de Ryan, que propõe o esquema de automação, mostra a ele um fluxo de trabalho (workflow), como se tudo pudesse ser resumido por um simples diagrama de fluxo. Essa cena é fantástica, sob a ótica de Impactos Sociais da Computação. Outro ponto bastante interessante é a apresentação "power point" da auxiliar de Ryan que cunha a palavra Glocal (uma mistura de “Global” com “Local” ambas as palavras são iguais em Português e Inglês). A idéia de Glocal é tornar um negócio global em um negócio global tratado localmente. Genial.

O aprendizado de Ryan em algo que ela achava dominar, relações humanas,  é simplesmente surpreendente. Esse aprendizado resume-se a uma palavra: parêntesis. Incrível.

Além disso, atuações primorosas, principalmente do George Clooney, ótima montagem, excelente ritmo, e lindas tomadas aéreas. A referência a Amélie Poulain é muito bem caracterizada, a ponto de levar o aeroporto de Saint Louis a ser um ponto importante ( aqui uma aula de história, de porque o avião de Charles Lindbergh chamava-se “Spirit of St. Loius”). O fim, com a frase sobre a ponta da asa (Wingtip - “The stars will wheel forth from their daytime hiding places; and one of those lights, slightly brighter than the rest, will be my wingtip passing over.“), é, de certa maneira, poético. Parabéns ao Jason Reitman. Excelente filme.

Outro filme fora de série é Mademoiselle Chambon. O fora de série desse filme é porque é um filme “perfeito” sob a ótica do cinema. É uma história com começo e fim, é um drama, é contado de maneira “imparcial”, tem excelentes interpretações e é sutil o suficiente para passar-se por realidade. Nada que vá ficar na história do cinema, mas há que parabenizar Stéphane Brizé pela aula de cinema correto.

Falando na França, pela terceira vez. O filme O Pequeno Nicolau, “Le Petit Nicolas” uma comédia francesa com um dos roteiros mais inventivos que me lembro e com uma realização primorosa. Baseado em um dos livros da coleção “Nicolas” de René Goscinny e ilustrado por Jean-Jacques Sempé. Usando de imaginação e criatividade esse filme vai fazer você rir até não agüentar. Além do mais: é um filme para crianças, algo raro hoje em dia. O que liga O Pequeno Nicolau com a Madame Chambon é a excelente atriz, que, em ambos os filmes, é professora: Sandrine Kiberlain.

Do cinema francês para o cinema argentino. O filme O Segredo dos seus Olhos (“El Secreto de sus Ojos”) é magistral. Por isso mesmo ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro de 2009. Fui ver o filme intrigado pela crônica de Luis Fernando Veríssimo na primeira semana de Agosto, onde fazia uma ode a Soledad Villamil atriz principal do filme. Bela e excelente atriz, Soledad faz de maneira forte o personagem da doutora Irene. O filme é esplendidamente contado e filmado, entremeando, de forma elegante, passado e presente no jogo da mémoria da doutora Irene e do agente de justiça Benjamím Esposito, magnificamente desempenhado por Ricardo Dárin.

O filme retrata os diferentes espíritos argentinos. A barreira que Benjamín cria em volta de Irene é típica e reflete um esteriótipo da moral católica argentina: o respeito ao formal confrontado com a paixão. O trago depois do trabalho nos típicos bares de Buenos Aires, a paixão pelo futebol, o ranço da ditatura franquista e seus seguidores portenhos acobertados pela mais cruel ditadura do continente são marcas indíscutíveis da argentinidade do filme. Isso é bem mostrado na transformação do "TEMO" para "TE AMO".

No contexto do futebol, uma das cenas mais espetaculares do filme é o “travelling” que desemboca no campo do Racing. É pura paixão, é puro futebol. Magistral.

É um filme triste, violento, mas: mais um depoimento de denúncia dos crimes cometidos durante o período da ditadura militar. Imperdível: parabéns Juan José Campanella.

Um pouco de cinema brasileiro. Boa a adaptação da história de Chico Xavier. Parabéns Daniel Filho. Parabéns ao Nelson Xavier, um dos melhores atores do cinema brasileiro. Muito boa também a atuação de Ângelo Antônio. Há que ter muita disciplina. Lições de vida brasileira.

Um filme denúncia embrulhado em ficção, Salve Geral, é simplesmente fora de série. A atuação de Ándrea Beltrão é digna de Oscar, simplesmente fantástica. Um papel que demandou da atriz um desempenho fora de série e que é extremante distante da grande maioria dos pápeis que desempenhou. Um show de interpretação. Também memorável é o desempenho de Denise Weinberg, excelente.

O filme é pesado, é triste, é ficção, mas, infelizmente, extremamente real. São fatos reais que ocorreram em 2006 na cidade de São Paulo. a maior cidade do Brasil e uma das maiores do mundo. É uma demonstração clara e inequívoca da grande desigualdade social do nosso país. É um filme de terror, mas que deveria ser assistido, para que possamos lembrar o quanto temos que melhorar. Um excelente trabalho de Sergio Resende.

Finalizo minhas observações com um ator: Leonardo DiCaprio. Vi, na mesma semana, a Ilha do Medo (“Shutter Insland”) e Origem (“Inception”). Dois filmes fora da curva.

O primeiro é um primor de construção, misturando sentimentos, realidade e loucura, com um cenário fantástico. As interpretações são excelentes, o roteiro muito bom e o mestre Scorsese fez um filme no seu nível. É um filme que não termina quando chega ao fim, fica na sua cabeça, quer pela memória visual, quer pela intrigante estória.

O segundo filme é simplesmente fantástico. É certamente um dos melhores filmes sobre os limites do humano. Ele parte de três coisas: do sonho, da participação de outrem no sonho de alguém e no conceito de arquitetura do sonho. Sobre isso impera a observação que no sonho, você, sua mente, cria e participa do sonho ao mesmo tempo. A exploração da concorrência do sonho é realmente um achado espetacular. É preciso entender isso para que se possa desfrutar do filme.

O filme supõe que existe uma tecnologia que permite que se sonhe junto, ou pelo menos que se participe do sonho de outrem. O protagonista, Cobb (DiCaprio), é especialista em roubar informações dos sonhos. Portanto, os sonhos que planeja são sonhos de confronto, onde a violência faz parte, isto torna o filme um filme de aventura (a moda americana, isto é com profusão de armas), mas isso é a fachada para atrair público. O fantástico do filme é o aninhamento dos sonhos (um sonho dentro do sonho) em diferentes níveis de abstração. Isso é feito de maneira espetacular, onde a cada sonho mais profundo, maior é a proporção de desigualdade no tempo. Amazing!

Parabéns Christopher Nolan! O filme é um marco, não só no cinema e na sua linguagem, mas como uma obra que nos ajuda a pensar  sobre o mecanismo humano do inconsciente e do consciente:  um dos grandes mistérios do ser humano. Vá ver o filme logo. Tenha paciência e preste atenção. Apesar dos vários níveis em que é contado, o filme é seqüencial, portanto aproveite. Obrigado Berardinelli pelo alerta, só creio que deverias ter dado cinco estrelas ( "you should have given it 5 stars").

sábado, janeiro 09, 2010

“As Máquinas Estão Paradas Agora Quem Fala Grosso Somos Nós”

A frase acima foi tirada de uma foto na página 117 da edição 550 da Revista Veja. Nela, em primeiro plano, aparece o presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Nessa mesma revista, na edição 583, página 20, há um trecho curioso, diz: “... que o grevismo, doença infantil do novo sindicalismo brasileiro, não compensa”. É incrível como essa revista usa adjetivos para formar opinião.

Essa nota é para comentar o filme, “Lula, o Filho do Brasil,” de Fábio Barreto. Esse filme traz uma série de recordações pessoais de diferentes tipos.

Uma delas é do colégio André Maurois , onde o irmão do Fábio, o Bruno, estava sempre de camisa bem engomada. Nesse momento em que o filme está na sua segunda semana, fica um pensamento de solidariedade com a família Barreto pelos momentos difíceis que está passando.

O segundo ponto de lembranças diz respeito ao ano de 1979. Vivi o período da criação do novo sindicalismo brasileiro de uma perspectiva extremamente rica. Meu pai era consultor jurídico do Ministério do Trabalho e pude saber, por ele,  das lutas internas entre a linha dura e os que procuravam cumprir os objetivos do Ministério, como um defensor dos interesses dos trabalhadores. Meu pai foi um grande jurista e sempre acreditou na força pacificadora da CLT.

Nesse período eu terminava meu mestrado em Informática, mas acompanhava, com atenção, o movimento sindical, tanto pela imprensa como pelas notícias e preocupações de meu pai.

Em 1985, estava na segunda parte de meu doutorado na Universidade da Califórnia, Irvine, quando resolvi fazer um curso de roteiro como uma tentativa para melhorar a escrita do Inglês. No curso, poderia treinar a escrita e o faria de uma maneira divertida, porque, no fundo, sempre tive vontade de fazer filmes. Em um dos exercícios do curso, produzi um roteiro com o título “Strikes” (Greves). Esse roteiro, escrito em duas colunas, uma para movimento de câmera e descrição de cenário e outra para diálogos, mostrava a comparação de duas greves emblemáticas, de uma maneira extremamente sutil. Se souber Inglês, leia o texto original, mas vá sabendo que o Inglês é de aprendiz.

As greves a que se refere o roteiro de "Strikes" são a greve dos metalúrgicos do ABC no ano de 1979 e a greve dos controladores aéreos dos Estados Unidos em Agosto de 1981, onde, de uma só vez, 11.345 trabalhadores foram demitidos pelo Presidente Reagan. O roteiro usa esse paralelo para surpreender a audiência.

Vi o filme do Fábio na querida cidade de Salvador. É um filme de difícil leitura porque vem envolto em campanhas políticas, publicitárias e um intenso debate sobre o objeto do filme e não sobre o filme, mesmo porque muitos dos que opinaram não tinham visto o filme. Portanto, a medida que o filme se desenrolava minha postura crítica era constantemente debatida em função da análise do objetivo do filme e não necessariamente do filme.

O filme começa com uma forte influência do cinema novo. Certamente Nelson Pereira dos Santos e, claro, seu próprio pai estão presentes na primeira parte (Vidas Secas). No entanto, esse preâmbulo é esquemático e poderia ser mais lírico do que me pareceu ser.

Na viagem de caminhão, 13 noites e 13 dias, me pareceu fora de contexto a bandeira do Brasil na traseira do caminhão. Tendo visto tantos caminhões antigos no Nordeste, o uso da bandeira me pareceu artificial, mas talvez esse caminhão tivesse sim a tal bandeira, que na verdade era uma pintura e não exatamente a bandeira.

O movimento em Santos é muito bom, mas a interpretação do pai me pareceu um tanto forçada. É sem propósito o mercantilismo na cena do armazém. A imagem que fica da corrida atrás dos filhos é boa e ficou bem marcada a posição do menino “homem não bate em mulher”. A professora Lucélia está bem, mas de certa maneira o diálogo com a mãe é pouco natural.

A cena da enchente é excelente, assim como do entregador da lavanderia. A escolha da atriz filha para ser nora da mãe perturba um pouco no início, mas a filha é excelente atriz e rapidamente o espectador esquece o que sabe fora do filme.

O filme cresce e torna-se muito bom no período do metalúrgico e do sindicalista, principalmente nesse último. Apenas um momento me parece fora de tom, a manifestação da mãe na entrega do diploma do Sesi, aquela maneira de cumprimento me parece inadequada ao perfil da mãe e do tempo do filme, é um cumprimento mais moderno, mas enfim....

O ponto principal, e onde o filme se agiganta, é a cena do estádio de Vila Euclides. Espetacular. Bonita , difícil de fazer mas extremamente bem feita. Para escrever essa nota, reli o roteiro de 1985: é incrível a semelhança da cena que imaginei com a cena que o Fábio filmou.

A saída do funeral é também espetacular! Aqui, me comovi porque me lembrei muito de meu pai e de sua luta em defesa dos sindicalistas.

O final é um pouco truncado, e a voz do discurso merecia melhor tratamento. Na concepção, é um fecho de ouro, porque, sem dúvida, a figura da mãe é central no filme, assim como foi na vida real. Oscar para a magnífica atriz que é a Gloria Pires ( a cena do dia 13/4/07, onde Lúcia e Cassio (Marcelo Anthony) contracenavam é magistral, mas a Globo Video tirou do ar.).

A trilha sonora é Dez, principalmente para quem sabe de cor todas as canções da época. Como gosto de dizer: o filme é “amazing”, na verdade é imperdível.

Parabéns Fábio Barreto. Um belo filme, uma bela estória, que por ser história, tão próxima, é tão difícil de contar. Que o Fábio fique bom logo, para nos brindar com outros filmes.