sábado, março 26, 2016

O Abraço da Serpente - Temos que Escutar a Natureza

A serpente,  como diz meu filho, é um símbolo presente em diferentes religiões. Foi sugestão dele  ver esse filme. O diretor foi sábio ao preferir a ausência de cores, e usar a luz e os tons para retratar de igual seres humanos e natureza. Dessa forma une-os, sem que o verde da imensidão amazônica tome tudo.

Sábio, também, em mostrar que línguas são apenas detalhes na comunicação humana, várias são as línguas faladas entre os homens da floresta e os homens colonizadores. Esse é também um ponto importante na própria construção cinematográfica.

O filme me faz recordar de dois marcos do cinema: Fitzcarraldo e Apocalypse Now. No primeiro, Herzog explora o profundo desafio da Amazônia, e no segundo Coppola explora a loucura dos manipuladores de crenças.

Certamente, Ciro Guerra se inspirou nesses filmes. No entanto, o filme procura dar ênfase ao ponto de vista da Amazônia ao contrário de uma visão dos colonizadores sobre si mesmos. Aqui é importante a figura do homem da floresta. Este homem solitário, único sobrevivente de um povo  dizimado, que consegue viver em sintonia com o ambiente respeitando-o para que dele possa extrair seu conhecimento. Nesse resumo damos a ele o nome de homem.

É em procura desse conhecimento que um colonizador, travestido de cientista, busca o  homem para a cura de sua enfermidade.  Essa busca, da-se com a ajuda de um homem colonizado, que encontra o homem, tido como sábio. Os três; o homem, o cientista e o homem colonizado partem num viagem pela floresta na  busca de uma planta que  poderia curar o cientista. Ao longo da aventura deparam-se com uma vila colonizada por religiosos, onde crianças, sobreviventes do massacre dos pais, são educadas com a cultura religiosa dos colonizadores.

Os três deparam-se também com um grupo de locais, onde são bem recebidos e onde as bugigangas trazidas pelo cientista são admiradas pela curiosidade do novo. Nesse contexto, ao deixar o grupo dos locais, o cientista nota a ausência de sua bussola. Revolta-se, torna-se agressivo, para depois perceber que o chefe do local está com sua bugiganga e oferece prendas locais em sua troca. O cientista revolta-se, mas ante o número de locais tem que partir em sua jornada como o homem  e o homem colonizado. Nesse ponto o homem sabiamente diz: eles também têm o direito de conhecer.

A jornada termina em outra vila, ocupada por moradores fugidos de tropas à serviço dos colonizadores. Nessa vila, o homem  resolve destruir todos os pés da planta que poderia salvar o cientista. Nessa vila, encerra-se a história do cientista.

Em tempo futuro, está o homem, envelhecido,  escrevendo sua história na pedra, quando aparece outro cientista, mais novo, que diz que o procura, porque o homem colonizado tinha escrito sobre as aventuras do passado, onde o homem tinha destruído a planta que poderia ter salvo o cientista.

O cientista novo convence o homem da importância da busca da planta. Novamente, inicia-se uma aventura de busca da planta salvadora. O homem está cansado, mas mesmo assim acredita que vale a pena retornar as profundezas da floresta para redescobrir outros pés da planta. No caminho, passam pela mesma vila onde os religiosos mantinham os meninos sobreviventes. Agora essa vila, semi destruída, era comandada por um louco mediúnico que comandava humanos sem rumo. Um Jim Jones, um Kurtz de Apocalipse Now.

O homem, que era um sábio,  ainda acredita, como acreditava, que sua missão era passar conhecimento aos seus, que pensava ainda viviam em algum lugar. Portanto, para ele era importante a cruzada de volta ao passado na tentativa de mais uma vez contar o que sabia ao seu povo, e por isso aceita essa nova aventura.

O  cientista novo e o homem chegam então ao último pé da planta salvadora. Ali, descobre o homem:  o cientista novo queria a planta para fins diferentes do que pregava, mas, mesmo assim, faz-lhe consumir a planta. Nesse momento, o homem entende que sua missão era a de levar o conhecimento ao colonizador, ao contrário do que pensava. Era o colonizador que tinha que ser esclarecido. A aceitação da colonização era o objetivo falso, o verdadeiro era dar conhecimento da floresta para os colonizadores: aqueles que queriam tirar dela apenas as vantagens para seu mundo. Mundo esse,  diferente,  onde as regras da natureza tinham sido esquecidas, pela marcha da conquista do artificial.

É isso que o filme quer transmitir, há que escutar a natureza, da qual somos parte e de que existem regras para nossa convivência.