sábado, janeiro 09, 2010

“As Máquinas Estão Paradas Agora Quem Fala Grosso Somos Nós”

A frase acima foi tirada de uma foto na página 117 da edição 550 da Revista Veja. Nela, em primeiro plano, aparece o presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Nessa mesma revista, na edição 583, página 20, há um trecho curioso, diz: “... que o grevismo, doença infantil do novo sindicalismo brasileiro, não compensa”. É incrível como essa revista usa adjetivos para formar opinião.

Essa nota é para comentar o filme, “Lula, o Filho do Brasil,” de Fábio Barreto. Esse filme traz uma série de recordações pessoais de diferentes tipos.

Uma delas é do colégio André Maurois , onde o irmão do Fábio, o Bruno, estava sempre de camisa bem engomada. Nesse momento em que o filme está na sua segunda semana, fica um pensamento de solidariedade com a família Barreto pelos momentos difíceis que está passando.

O segundo ponto de lembranças diz respeito ao ano de 1979. Vivi o período da criação do novo sindicalismo brasileiro de uma perspectiva extremamente rica. Meu pai era consultor jurídico do Ministério do Trabalho e pude saber, por ele,  das lutas internas entre a linha dura e os que procuravam cumprir os objetivos do Ministério, como um defensor dos interesses dos trabalhadores. Meu pai foi um grande jurista e sempre acreditou na força pacificadora da CLT.

Nesse período eu terminava meu mestrado em Informática, mas acompanhava, com atenção, o movimento sindical, tanto pela imprensa como pelas notícias e preocupações de meu pai.

Em 1985, estava na segunda parte de meu doutorado na Universidade da Califórnia, Irvine, quando resolvi fazer um curso de roteiro como uma tentativa para melhorar a escrita do Inglês. No curso, poderia treinar a escrita e o faria de uma maneira divertida, porque, no fundo, sempre tive vontade de fazer filmes. Em um dos exercícios do curso, produzi um roteiro com o título “Strikes” (Greves). Esse roteiro, escrito em duas colunas, uma para movimento de câmera e descrição de cenário e outra para diálogos, mostrava a comparação de duas greves emblemáticas, de uma maneira extremamente sutil. Se souber Inglês, leia o texto original, mas vá sabendo que o Inglês é de aprendiz.

As greves a que se refere o roteiro de "Strikes" são a greve dos metalúrgicos do ABC no ano de 1979 e a greve dos controladores aéreos dos Estados Unidos em Agosto de 1981, onde, de uma só vez, 11.345 trabalhadores foram demitidos pelo Presidente Reagan. O roteiro usa esse paralelo para surpreender a audiência.

Vi o filme do Fábio na querida cidade de Salvador. É um filme de difícil leitura porque vem envolto em campanhas políticas, publicitárias e um intenso debate sobre o objeto do filme e não sobre o filme, mesmo porque muitos dos que opinaram não tinham visto o filme. Portanto, a medida que o filme se desenrolava minha postura crítica era constantemente debatida em função da análise do objetivo do filme e não necessariamente do filme.

O filme começa com uma forte influência do cinema novo. Certamente Nelson Pereira dos Santos e, claro, seu próprio pai estão presentes na primeira parte (Vidas Secas). No entanto, esse preâmbulo é esquemático e poderia ser mais lírico do que me pareceu ser.

Na viagem de caminhão, 13 noites e 13 dias, me pareceu fora de contexto a bandeira do Brasil na traseira do caminhão. Tendo visto tantos caminhões antigos no Nordeste, o uso da bandeira me pareceu artificial, mas talvez esse caminhão tivesse sim a tal bandeira, que na verdade era uma pintura e não exatamente a bandeira.

O movimento em Santos é muito bom, mas a interpretação do pai me pareceu um tanto forçada. É sem propósito o mercantilismo na cena do armazém. A imagem que fica da corrida atrás dos filhos é boa e ficou bem marcada a posição do menino “homem não bate em mulher”. A professora Lucélia está bem, mas de certa maneira o diálogo com a mãe é pouco natural.

A cena da enchente é excelente, assim como do entregador da lavanderia. A escolha da atriz filha para ser nora da mãe perturba um pouco no início, mas a filha é excelente atriz e rapidamente o espectador esquece o que sabe fora do filme.

O filme cresce e torna-se muito bom no período do metalúrgico e do sindicalista, principalmente nesse último. Apenas um momento me parece fora de tom, a manifestação da mãe na entrega do diploma do Sesi, aquela maneira de cumprimento me parece inadequada ao perfil da mãe e do tempo do filme, é um cumprimento mais moderno, mas enfim....

O ponto principal, e onde o filme se agiganta, é a cena do estádio de Vila Euclides. Espetacular. Bonita , difícil de fazer mas extremamente bem feita. Para escrever essa nota, reli o roteiro de 1985: é incrível a semelhança da cena que imaginei com a cena que o Fábio filmou.

A saída do funeral é também espetacular! Aqui, me comovi porque me lembrei muito de meu pai e de sua luta em defesa dos sindicalistas.

O final é um pouco truncado, e a voz do discurso merecia melhor tratamento. Na concepção, é um fecho de ouro, porque, sem dúvida, a figura da mãe é central no filme, assim como foi na vida real. Oscar para a magnífica atriz que é a Gloria Pires ( a cena do dia 13/4/07, onde Lúcia e Cassio (Marcelo Anthony) contracenavam é magistral, mas a Globo Video tirou do ar.).

A trilha sonora é Dez, principalmente para quem sabe de cor todas as canções da época. Como gosto de dizer: o filme é “amazing”, na verdade é imperdível.

Parabéns Fábio Barreto. Um belo filme, uma bela estória, que por ser história, tão próxima, é tão difícil de contar. Que o Fábio fique bom logo, para nos brindar com outros filmes.